Cidade Invisível é um quadro do programa, Algo Mais. Apresentado por Viviane Pedro, de segunda à sexta às 17 horas na TV Pampa. A cada semana a repórter Aline Torres leva os telespectadores a um bairro de Porto Alegre. Para que cada canto da cidade seja redescoberto por um novo olhar...
... A cidade em mim
por Aline Torres
Nasce do asfalto, a cidade invisível, do calor da brita quente, dos passos, velozes, confusos, mecânicos, gestos avulsos, pressa e compulsão, crimes de classe, cor, credo, poucas existências e destinos incompletos, nudez de amor, e a força das coisas, maior que a força dos homens, corpo atrás de corpo, e à frente e aos lados, fome e cobiça e o ponteiro controlador, e os vigilantes de pensamentos, da carne, do sangue, da economia nacional, do sal das prateleiras, das árvores podadas, das consciências sujas e gritos silenciosos, da paz, do prazer, da proporção da cidade, da vida que começa e recomeça, e a cada canto de passarinho, bater de asas de beija-flor, beijo de namorada é outra.
Essa cidade, vista por muitos com desdém, com descrédito, desestimulada, sempre foi vista pela menina sonhadora; com medo da marcha cinza, com medo que suas asas, pequenas demais pra voar, fossem esmagadas; como possibilidade de construção e troca de conhecimento, para transformar um pouco de si e do mundo, por que essa cidade, sentida, muitas vezes, nas suas entranhas, não é feita de tijolos, de paredes, de cimento. É em todos os instantes a vida, que jorra forte ou distraída.
E que não esquecendo que somos homens, e antes disso somos seres terrestres, devemos trabalhar para melhoria da humanidade e das nossas relações, baseados nos princípios éticos de estímulo à cidadania, e esclarecimentos de interesse público, e que para isso sobre nenhuma hipótese devemos nos converter em máquinas. A de se exercitar a compreensão, para observar as alterações de ciclos, dos processos históricos, das formações culturais, da imensa e rica singularidade dentro da diversidade, para lidar com assuntos sem arrancá-los de suas bases, para ligar arquipélagos longínquos, e ilhas vizinhas. Para refletir sobre os antagonismos e as outras tantas incertezas que compõem a profissão, como a figura de Exu do candomblé, deus e diabo ao mesmo tempo, provedor do bem e do mal, da mistura interminável entre céu e inferno.
Assim o jornalismo, árvore enraizada na interação social, no contato entre os homens, nos vínculos inseparáveis, miséria e ostentação, morte e renascimento e vida e decadência e vida após a morte e morte em vida, na metamorfose do ser terráqueo, morador de um pequeno sol periférico da Via Láctea, galáxia perdida e à deriva, têm no paladar, o gosto pelo mel amargo, seiva bruta da realidade, coberta de medos, mercadorias, mesquinharias, maledicências, mentiras.
E então há árvores que secam, troncos sem vida, espalham suas folhas sem sumo, sem alma, impressas, no mercado das vaidades e do lucro. Sua nova cara traz aparente satisfação, estampam vasos de cerâmica em prédios luxuosos, recebem melindrosos elogios, são admiradas e reproduzidas. Mas não percebem o essencial, deixaram de ser, porque não sendo árvores não são mais nada.
E há árvores mirradinhas, que parecem que caem com brisa, mas que possuem no verde da casca, na curva das folhas, na terra mãe que as alimentam, a vontade de servir bons frutos, que unam e esclareçam e engrandeçam e despertem àqueles que provarem de sua polpa. E como esse é trabalho de anos, talvez de séculos, e as árvores são sábias, ou deveriam ser, não tardam para iniciar. Essa é primavera!
As cidades nascem do asfalto. Nascem da mente do mineiro. De Itabira. Nascem quando queda o muro. De Berlim. Nascem quando pára o tanque. De Pequim. Nascem quando o negro governa a branca casa. Quando correm, pés desnudos, o menino, que grita de dor, com sua imensa boca de palhaço. E a menina com brasas queimando o corpo. Circo do horror - Vietnã. Nascem quando o vaqueiro texano, arma forcas, rouba vidas. Em busca das lágrimas pretas da terra. Nascem quando a lua é pisada, pelo homem. Quando o fruto- do- mar vira presidente. Nascem a cada instante, do mundo que cresce, dos amanhãs e agora, das milhares de pragas, das tempestades de fúria e amor, das carícias secretas, lucidez e frio, das fases da lua, dos olhos no escuro, da calma e do medo.Do sonho. Do ser.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
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Me emocionei com o que tu escreveu no teu Blog. Cada vez mais acho que tu nasceste para isto, ser jornalista. Tuas asas ainda vão te levar muito longe, sei também que fiz um bom trabalho como mãe e educadora, porque quanto mais longe tu chegares, tu vai sempre continuar com este coração bom e sendo um ser humano muito especial com caráter, sem distinguir as pessoas, enxergando todo mundo igual.
ResponderExcluirBeijos
alininha, maravilhosa matéria, meus parabéns! que alegria! manda um parabéns pra stephanie também, edição sensacional!
ResponderExcluirbeijão querida, parabéns mais uma vez!
..."A cidade em mim" também.
ResponderExcluirEm passos marcados e compassados aos seus
sigo caminho pela mesma rota, traçada por
dois à um só destino, semeando frutos para
o presente-futuro a colheita satisfatória. Parabéns blog com layout simples
com ótimo conteúdo bjãozz Ours
Minha Mãe, companheira de todas as horas. Doce. Forte. Corajosa. Se sou assim, se estou aqui, e por que te carrego dentro de mim, e nas horas tristes, me alegro, nas de fraqueza, me fortaleço, lembrando do mundo bonito que construímos.
ResponderExcluirMeu amigo, esse trabalho não é só meu. É teu. E de todos que acreditam em um jornalismo mais justo. Mais humano.
Meu amor, antes da cidade, você em mim. Carrego-te na alma, no corpo, nos pensamentos. Somos um só! Construindo com toda força do amor um mundo lindo. Reino nem tão distante. Porque você me leva aos lugares mais bonitos, o paraíso multicolorido dos meus sonhos de menina. Agora de verdade!
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